Hoje eu não ia sair da cama...
lembrei-me daquela amiga que um dia me disse ter passado dois dias e duas
noites inteiras no quarto escuro, deprimida, sem vontade de sair, porque não
via sentido na vida... Acordei exatamente assim hoje e então, depois de muita insistência
da minha filha, que entrava no quarto a cada vinte minutos e repetia “mãe,
levanta, se troca e me arruma também!”... tive que levantar!
Então me vi sentada em frente à
TV, assistindo “as férias da minha vida” pela centésima vez e me perguntando,
se eu soubesse que morreria em pouco tempo, qual seria minha reação. De
repente, não me vi só imaginando, mas desejando ter um prazo de validade bem
curto, tipo uma semana no máximo. Uma semana pareceu tempo demais. Queria pra
já! Queria pra hoje.
Mas, claro que como boa cristã,
me envergonhei do meu pensamento. Onde já se viu uma mulher saudável, com dois
filhos ainda pequenos pensar uma coisa dessas?! Onde já se viu uma católica
praticante pensando em morrer prematuramente?! Envergonhe-se do seu pensamento!
Tem gente na rua, passando fome e frio, morrendo sem que ninguém tome
conhecimento sequer de sua existência! Que vergonha!
Então, uma lembrança do Facebook
me trouxe uma foto de 2011, onde, eu, com 33 anos, estava sentadinha na minha
mesa, num cargo de executiva, tirando fotos com caras e bocas. Há exatamente 5
anos atrás, minha vida era outra. Bens materiais, segurança, independência e uma
autoconfiança incrível! Nem acredito que já fui assim!
Depois dessas fotos, muita coisa
mudou. Muita água passou por baixo da ponte e só Deus sabe porque.
Aliás, é isso que ouço, é isso que
repito, é isso que está em todo lugar que olho: “Deus sabe o porque de todas as
coisas!”... Sabe mesmo?!
Em 2013, descobri o quanto
pessoas são mesquinhas e usam tudo e a todos em benefício próprio e foi quando
mudei minha vida profissional radicalmente. Durante dois anos, convivi com
pessoas com um poder aquisitivo bem baixo e vi que o significado de humildade
está muito além de agradecer quando alguém te elogia ou não se envaidecer
quando tem sucesso... Aprendi que mesmo ganhando menos, poderia ser mais feliz.
Gostei tanto da experiência que em 2015, junto com minha sobrinha, abri um
escritório e fui trabalhar definitivamente com este público.
Ainda em 2015, pouco tempo depois
de acreditar que caminharia tranquilamente, minha mãe adoeceu e então, entendi
que era o momento de retribuir tudo o que ela havia feito por mim a vida toda e
sem pensar duas vezes, larguei minha sobrinha no escritório, e, me dediquei
integralmente a cuidar da minha mãe. Deus me colocou ali, tendo condições
físicas e emocionais para me dedicar a ela e com uma fé inabalável, esqueci de
dívidas, problemas, filhos, sono, cansaço...Tudo! Passava noite e dia ao lado
dela. Dei banho, alimentei, limpei, mediquei, tirei medicamentos que a estavam
matando e pronto! Deus me recompensou com a saúde dela restaurada, seu corpo
frágil se recuperado e sua sanidade retomada. Maravilhoso Deus que não a desamparou
e me deu condições de conviver com ela por mais tempo.
Nesse período, tive ajuda de
pessoas muito especiais, que não deixavam que passássemos apuros, porque além
de não ter uma renda, não ter trabalho, meu ex-marido decidiu que não queria
mais pagar pensão dos meus filhos, então, tirei as crianças da escola, mudei-os
para uma escola pública, vendi meu carro a preço de banana e me senti madura.
Estava fazendo a coisa certa! Infelizmente, minha sobrinha não sentiu a mesma
coisa e até hoje não fala comigo. Mas entendo! A abandonei com um escritório,
com dívidas e com problemas para resolver sozinha e isso não caiu bem.
Ainda em 2015, depois da grande
benção com minha mãe, Deus me deu um amor de presente. Conheci um homem bom,
leal, atencioso, tão maravilhoso que nos casamos em 03 meses!
Ainda em 2015, eu e meu marido
nos vimos desempregados e sem condições de mantermos aluguel e tudo mais.
Então, mais uma vez, Deus tão maravilhoso, tocou o coração das pessoas da
igreja que passaram a doar cestas básicas para mim e o inquilino da minha mãe
devolveu uma casa que ela tinha de aluguel, então, de repente tinha casa sem
precisar pagar aluguel e com os armários cheios de mantimentos.
Em 2016, assumi a catequese da
paróquia que freqüentava e me vi no lugar certo, na hora certa, fazendo aquilo
que Deus queria que eu fizesse. Abri novamente um escritório e também uma loja
de roupas. Não sozinha, claro! Não tinha capital pra isso! Tive ajuda
financeira de uma pessoa que me quer bem, sem segundas intenções. Essa pessoa
diz que conhece meu coração e sabe quem sou, por isso sabe e entende que
precisa me ajudar. Mas, infelizmente, os
negócios não caminharam como eu imaginei e me vi falindo e voltando pra casa
numa inércia total.
Mas a gente não pode desistir!
Deus sabe a razão de todas as coisas!
Fui fazer unhas, faxina, doces, e
meu marido, foi trabalhar de Uber. Sou uma lutadora! Não desisto!
Nada deu certo!
Então agora, em 2017 ainda faço
doces, unha, faxina e tudo mais, mas o que ganho não dá pra manter casa, filhos
e dívidas...
Ainda tenho a sorte de poder
contar com a ajuda de algumas pessoas, que me salvam quando o negócio fica
difícil, mas já não tenho mais a quem recorrer porque já gastei todos os
favores, já abusei da bondade de muita gente e tenho vergonha de pedir mais...
Lembra da foto de 2011?! Eu tinha
33 anos e as portas ainda se abriam pra mim... Hoje estou há um mês de 39, ou
seja, to batendo os 40, então, estou velha para o mundo corporativo...
Isso significa que, em função de
um mercado altamente competitivo e cheio de gente desempregada, e formando
diariamente cada vez mais profissionais super qualificados, não existe espaço
pra mim. Tenho me candidatado a vagas de todas as espécies, para ganhar ¼ do
que eu ganhava ou até menos, mas, não sou qualificada ou sou qualificada
demais, ou os recrutadores entendem que não podem rebaixar meu ultimo salário
em carteira e não levam em conta o fato de que hoje, meu salário é zero. Você
sabia que até para ser garçonete hoje, tem que ter experiência comprovada?!
Para ser doméstica precisa ter referências?! Para servir mesas, você tem que
ter um curso e para lavar privadas, tem que provar que está apto a fazê-lo,
tendo carta de referencia de pessoas que digam que você sabe lavar privadas.
Sem contar que para poder sair de
casa, preciso ter um salário que me permita pagar alguém para cuidar dos meus
filhos, então, tenho que ganhar no mínimo dois salários mínimos para que eu
possa pagar um salário mínimo para a pessoa que cuidará deles para mim.
Já ia esquecendo de mencionar que
obviamente, meu nome está sujo, beeem sujo, então, não consigo emprego também
por conta disso! E meu marido, que era super apaixonado, quase não chega perto
de mim hoje.
Então fico em casa! Faço doces,
faço unhas, faço o que posso para juntar um dinheirinho. E já que estou em casa,
uso moletom, já que estou em casa, posso deixar meu cabelo natural e cheio de
cachos, já que estou em casa, faço as unhas quando sobra um tempo.
E estando em casa, me reconheço
cada vez menos quando me olho no espelho... Em 2 anos engordei uns 10 quilos ou
um pouco mais, tenho olheiras gigantes e não tenho mais dinheiro para comprar
cremes anti-rugas, hidratantes milagrosos e perfumes maravilhosos. Então, além
de o tempo ter passado de verdade, sinto o poder do tempo em mim diariamente e
cada dia mais intensamente. Quem é você?!
Desenvolvi um cisto no pé, logo,
caminhar ou correr ou quaisquer exercícios estão fora de cogitação. Fazendo
doces, como doces, e ansiosa como muito mais do que antes, o que justifica os
10 quilos.
Ah sim! Esqueci de mencionar que
Deus cansou um pouco de mim, e que fui cortada da catequese porque as pessoas
da igreja entenderam que eu tinha problemas demais para administrar e
reclamaram para o padre que me substituiu de imediato, sem falar comigo, por
isso entendi que era hora de me afastar da paróquia porque minha vontade era de
brigar com as pessoas que “entenderam” que seria melhor pra mim ser afastada da
catequese que era a única coisa que justificava minha disponibilidade para
trabalhar para Deus. Acho que as pessoas “entenderam” que Deus queria que eu
sentisse mais intensamente tudo o que estou vivendo.
Devo para amigos, mas o que me
incomoda mais é dever para meus irmãos, porque tenho que conviver com os
olhares de julgamento deles, porque me vêem como a inconseqüente que casou
errado duas vezes, que não soube manter uma carreira, que tem filhos demais (dois)
e que por ser a caçula, é por definição mimada e infantil e retardada!
Por isso, hoje, tendo quase 40
anos, não me reconhecendo mais no espelho, tendo mais furos na bunda e nas
coxas do que bob esponja, tendo só um real no banco e nenhuma perspectiva do
que fazer, não tive vontade de sair da cama...
Acho que só Deus mesmo sabe a
razão de tudo isso, porque de verdade, não consigo mais tentar entender...
Claro que tudo isso não é motivo
para querer morrer, mas me pergunto, para que existir assim?!
Meus filhos certamente seriam
acolhidos por alguém que os amaria e não deixaria que faltasse nada pra eles.
Minha mãe certamente sentiria muito minha falta, mas ao menos deixaria de se
preocupar com meu futuro. Meu marido já não tem sentido minha falta convivendo comigo
aqui, então, se eu deixasse de existir, não faria muita diferença. Acho que
meus irmãos sentiriam o fato de eu ter morrido sem pagar o que devo. O banco
deixaria de ligar. Sobraria um real no banco.
Entende?! Já quase não existo
hoje...
Tive um chefe que me disse uma
vez que eu não vivia, que eu sobrevivia. Na época fiquei brava e escrevi o
texto “o que eu quero”, aliás foi ele que deu origem ao blog. Precisava
publicar meus pensamentos, precisava dividir com o mundo o que sentia e o que
queria...
Hoje, entendo o que o chefe
disse. Naquela época, ele falou isso porque viu que eu trabalhava, pagava as
contas e usava todo o dinheiro que tinha imediatamente. Não poupava, não
aplicava e não investia em mim, em crescimento profissional e cultural. Fiquei
obsoleta! Virei sub-vivente e não mais sobrevivente... Naquela época eu tinha
um fluxo para pagar pela sobrevivência e hoje, não ganho o mínimo necessário,
então, sub-vivo, sub-existo.
E claro que vai ter gente dizendo que eu não deveria me expor assim, nem escrever tudo isso, porque tem gente que se alimenta das nossas fraquezas, que se diverte com nossas tristezas, mas quer saber?! Não me importo...
Mas e as pessoas que estão nas
ruas morrendo de frio e fome?! Não seja ingrata! Não sou! Peço a Deus que olhe
para essas pessoas e para os órfãos de Aleppo e para todos os necessitados,
porque já não peço mais que ele olhe pra mim... Tem gente que precisa mais da
atenção Dele do que eu...
Um dia, quando me encontrar com Ele,
vou perguntar a razão de tudo isso, mas até lá, vou passar uns dias fazendo
unha, outros fazendo doces, outros faxinando e outros na cama, pensando na desistência, na
não existência... em mim...