domingo, 24 de outubro de 2010

Diário

Acordo todos os dias às seis em ponto, não consigo pronunciar qualquer palavra por pelo menos 30 minutos, pois meus ouvidos ainda estão sensíveis e minha garganta fechada.
Me recuso a falar de problemas, dinheiro ou qualquer outro assunto que possa me deixar triste ou brava nas primeiras horas do dia.
Me arrumo com calma e aproveito esses 30 minutos de silêncio procurando o visual ideal, pois além de não gostar de começar o dia correndo, também não gosto de sair de casa sem estar limpa, cheirosa e bem vestida, por uma questão de princípios, amor próprio e consideração com os demais. Assim sendo, demoro no mínimo uma hora para estar realmente pronta para iniciar o dia com um sorriso sincero e uma conversa agradável.

Deixo meu carro na garagem, mesmo com dor no coração, e vou caminhando até a estação de trem que não fica nem perto, nem longe de casa, o que mata mesmo é a subida, mas penso no meio ambiente, no gasto com combustível e nas horas que economizo não estando neste transito caótico da nossa cidade e encaro numa boa.

Depois de todo esse ritual matinal, me sinto uma pessoa de verdade. Consciente, em paz e totalmente pronta pra enfrentar mais um dia de trabalho.

Pois bem, meu dia finalmente começa quando chego à estação de trem e é nesse momento que passo dessa pessoa que considero até legal, pra alguém horrível!

Tenho que pegar dois trens, o primeiro é congelante e vazio, as pessoas não entendem que o ar condicionado foi feito para deixar o ambiente agradável e não pra provocar um vendaval que me descabela e me faz sentir um pingüim. Neste momento, já toda arrepiada, com os cabelos voando pra todo lado e quase congelando, o primeiro pensamento feio do dia me ocorre “quem será o FDP que regula o termostato heim?!”

Desço na segunda estação e sigo para o outro trem.

A estação em que embarco é final, então teoricamente, todos os que estão dentro do trem deveriam descer primeiro para depois os que estão na plataforma embarcarem.
O que ocorre é que as pessoas vêm de outra estação com o trem para conseguirem um lugar para sentar, daí, todos os assentos já estão totalmente ocupados quando o trem chega à estação final.
Os poucos que descem, ou melhor, tentam descer do trem, são quase obrigados a retornar ao lugar de onde vieram, pois os que vão embarcar não aguardam o desembarque. Vira um tumulto, empurra-empurra e nesse momento, as cordialidades e gentilezas estão no limbo da ignorância cotidiana.

Sou sempre a ultima a embarcar. E meu segundo pensamento feio do dia  surge de maneira bastante natural e sem que eu perceba, estou considerando mais de cem pessoas todas feias, sem exceção.

Uma estação depois, embarcam outras cem pessoas, se empurrando, se acotovelando e se chamando por nomes que eu nem sabia  que existiam. Enquanto isso, dentro do trem, sinto meu cabelo congelado, mas em função da quantidade de pessoas espremidas e se empurrando, só meu cabelo mesmo é que fica frio, meu pé está embaixo de um outro pé que não é meu, meu nariz começa a arder com o misto de odores de gente que não usa desodorante e gente que exagera no perfume da Avon.
Meus olhos começam a lacrimejar e fica difícil respirar e o terceiro pensamento me ocorre: “Deus, um desodorante não é caro e perfume barato é o fim!!! Banho! Banho! Banho!!!!

Então, bastante tonta, noto um olhar diferente de alguém que até parece interessante, mas não posso arriscar retribuir o olhar, porque não sei se é realmente alguém interessante ou se em função o ardor do meu nariz e dos meus olhos cheios de lágrimas estou tendo alucinações.

O pior disso tudo é que o FDP que regula o termostato é tão sem noção que coloca música clássica como som ambiente!

Daí,  entre várias cabeças, e quinhentos braços, consigo olhar uma fresta pequena da janela, no transito da Marginal Pinheiros vejo pessoas cantando e sorrindo em carros confortáveis e vazios, contribuindo com a poluição da nossa cidade e com o caos do transito, enquanto eu, tentando ser um ser econômico e consciente, suporto a poluição e as variações climáticas dentro do trem.

Finalmente chega a minha estação, peço licença no mínimo dez vezes mas as pessoas jogaram as gentilezas e a educação naquele limbo que falei, então, só me resta me espremer, me apertar e sair do trem descabelada,  cambaleante, amassada e com todo aquele misto de odores ainda impregnado no meu nariz.

Outro pensamento involuntário me ocorre, agora composto: Pessoas feias, fedidas e mal educadas!!! Tomem banho por favor!!!

Cheguei ao meu local de trabalho, onde todos são sorridentes, educados, gentis! É realmente um lugar ótimo! Sobrevivi ao trem!!!

Vou direto pro banheiro, lavo as mãos repetidas vezes porque me lembro daquela reportagem do fantástico que dizia que existem um milhão de germes nos transportes coletivos, entre eles, germes fecais...éécaaa!!!!

Pronto! Estou recomposta e volto a sorrir.
Me dirijo ao meu local de trabalho, ligo o computador, listo meus afazeres diários e então, sinto um ar gelado que percorre todo o meu corpo, dos pés à cabeça e minha mão começa a ficar gelada.

Mais uma vez, um pensamento me ocorre “quem será o FDP que regula o termostato heim?!”

Um colega de trabalho vem puxar papo, mas estou com tanto frio que os músculos do meu rosto endureceram e não consigo prestar atenção no que ele está dizendo, então passo a impressão de ser alguém anti-social e sem assunto. Logo eu que procuro ouvir notícias e me interar de assuntos sobre o que rola no mundo pra adquirir cultura e conteúdo, não consigo pensar em nada além do incomodo de estar com os dedos congelados.

Estou começando a pensar que todo o meu ritual matinal, a tentativa de ser agradável, ter conteúdo, educação e consciência ambiental não estão me fazendo bem!

Preciso mudar a minha rotina.

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